Gabriel tamborilava impaciente os dedos no teclado de seu notebook. Não sabia o que escrever, precisava mandar um artigo para o jornal local, senão ficaria sem o dinheiro para pagar o aluguel de seu apartamento, e desse jeito ficaria devendo mais três meses. Era ruim ter de subir o elevador torcendo para que a senhoria não aparecesse no próximo andar. Entretanto, não sabia o que escrever, sentia-se inválido olhando as tantas letras desenhadas no teclado e nada em sua mente.
Observou rapidamente em volta esperando a garçonete chegar com suas batatas-fritas, mas ela ainda se demorava na mesa vizinha. Toda aquela tensão estava matando-o, e uma vozinha que vinha de dentro dele dizia que as batatas chegariam moles e frias.
Gabriel guardou o notebook na mochila e ficou esperando com os cotovelos sobre a mesa. Era um bocado estranho a vida que tinha: morava num apartamento ruim, seu salário era um fiasco, não tinha amigos e mais ninguém para passar o tempo (tinha o Douglas, um vizinho chato e espinhento, mas ele não contava na lista porque Gabriel nunca gostou da presença dele), não tinha sequer um peixe ou um gato.
Continuou com seus olhos observando o lugar. O porteiro tinha uma cara azeda, comprida demais e um nariz muito fino. Talvez fosse porque ele desejava tanto sumir dali, que seu rosto estava desaparecendo aos poucos. Tsc, besteira. A garçonete era lerda e meio desengonçada sempre parecendo que vai derrubar a bandeja.
A única coisa boa de se olhar naquela lanchonete era uma moça que bebia um
frappuccino na mesa da frente. Ela não tinha visto Gabriel em momento algum, e parecia muito concentrada num livro. Provavelmente se tratava daqueles romances lixos que se encontram aos montes por aí vendendo, alguma coisa com um mocinho e uma mocinha, etc.
Gabriel ficou meio enojado, ela perdia alguns pontos por causa do livro, mas ainda era uma coisa boa de se olhar, seu rosto era redondo e tinha uma boca pequena pintada de rosa (o batom deixava marcas no canudo cada vez que ela bebia o
frappuccino). A moça havia permanecido imóvel todo aquele momento, até que se mexeu por dois segundos, iluminando os olhos de Gabriel. "
Hermann Hesse". Talvez ela seja alguém que valha a pena conhecer.
A moça começou a tamborilar os dedos na mesa e ele pôde notar que ela usava fones de ouvido (antes os cabelos os escondiam), era ritmado e parecia que ela imitava discretamente o som de uma bateria.
Os olhos dele se iluminaram mais. E se ele se aproximasse perguntando qual banda ela estava escutando? Ou perguntando qual era o livro que estava lendo?
Gabriel levantou-se e andou em direção ao banheiro, nunca havia se preocupado com isso antes, mas o seu cabelo estava emaranhado e desleixado. Passou as mãos pelos fios, e quando achou que estava melhor, pôs-se a andar em direção às mesas.
A primeira coisa que notou ao voltar foram as batatas-fritas. Todas douradas e quentes (dava para ver a fumaça). Ele havia se enganado quanto ao lugar.
A segunda coisa é que a moça ainda estava ali, mas ela podia esperar, Gabriel estava com bastante fome para conversar.
Foi quando ele pegou a primeira batata que a garçonete apareceu pedindo desculpas (e chamando-o de senhor!). Aquela não era a porção dele. Aquelas batatas lindas e douradas! Não, a porção dele foi posta na mesa segundos depois. Feias e murchas, provavelmente mornas e sem sal. Eram amareladas e suas pontas eram marrons. Gabriel não sabia como reagir, pois todos os seus pensamentos se desligaram com a rebelião que seu estômago fez. Não comeria aquela porcaria!
Levantou-se sem paciência e falaria umas poucas e boas (frase velha, mas ele não sabia o que pensar na hora) ao gerente daquela droga de lanchonete, mas mudou de ideia quando a moça andou em sua direção e propôs que dividissem as batatas-fritas.