O sol cobria todo o jardim de minha avó, mas do céu caia uma chuva fininha e lenta daquelas que aparecem depressa e não vão embora nunca mais.
Eu olhava distraidamente para Susu, a gatinha da minha avó, que brincava perto de um formigueiro. De repente a chuva apareceu, e tive que me refugiar num quartinho que ficava nos fundos do jardim (a gata foi mais esperta e correu a toda velocidade para a casa principal).
Não era um local agradável, o cheiro de mofo impregnava todo o ar, e a poeira me fazia espirrar. Apenas um feixe de luz que vinha da janelinha iluminava o quartinho. Realmente não era nada satisfatório ficar lá dentro, porém logo fiquei entretida com uma porção de gavetas de um armarinho velho. Eu espiava o interior para ver se não tinha nenhuma barata, depois abria e remexia os objetos. Encontrei vários bloquinhos em branco, agulhas de tricô, apitos, um pente de cabelo, um batom roído nas pontas e muitos pares de qualquer coisa.
Sentei-me no chão (no canto menos empoeirado) e suspirei profundamente. Eu só conseguia ouvir o barulho da chuva.
Era demasiado triste querer brincar lá fora e não poder.
Comecei a imaginar se seria possível alagar toda a rua, e se teríamos que viver debaixo de um rio caso a chuva decidisse não parar mais. Pensava comigo mesma que minhas mãos ficariam enrugadas iguais as mãos da minha avó, e que seria difícil bater com as palmas uma na outra de tão gordas d'água. Também não seria fácil tirar um cílio solto, eu poderia acabar arrancando um olho com a mão tão pesada e com os dedos feito esponja molhada. Suspirei longamente após considerar tais possibilidades.
Estava tudo silencioso, tirando o barulho da chuva, quando ouvi um ruído agudo parecido com "tic-tic-tic". Olhei em volta e avistei perto de alguns livros uma meia que se mexia. Não, não se mexia, ela se tremia toda!
Nunca havia visto algo parecido e fui até lá cautelosamente, dizendo:
- Oi, senhora Meia... - eu a peguei na ponta onde se coloca o dedão. Mas logo vi um camundongo que se encolhia todo.
- Por favor, não me mate! - ele gritou com a voz esganiçada e repetiu mais três vezes - por favor, não me mate!
Ainda com a meia entre os dedos, eu pensei comigo mesma: o que é mais improvável? uma meia que se treme toda ou um camundongo falante?
Mas logo tratei de acalmá-lo, antes que seu coração minúsculo saísse pela boca.
- Não matarei você, na verdade, eu tenho muito medo de ratos.
Ele tirou as patinhas do focinho e me olhou profundamente.
- Você não é um gato?
- Não mesmo!
- Ufa! - ele exclamou e imediatamente parou de se tremer todo - então me diga, que barulho todo era aquele que ouvi agora há pouco?
- Ah! Eu estava suspirando tão alto assim?
- Eu pensei que fosse um gato e achei que fosse morrer! - ele colocou a patinha sob o peito na direção do coração, depois se aquietou - e por que estava suspirando?
- Eu imaginava como seria sofrido... - não pude terminar de falar, pois o camundongo interrompeu-me com um "tic-tic" alto.
- Pode, por favor, devolver o meu pedaço de pão? - ele parecia estar um pouco ansioso - guardei nessa meia que está na sua mão.
Ele aparentou ficar mais calmo quando eu devolvi o pedaço de pano ao chão. O camundongo segurou o pedaço de pão e começou a comer, então achei que poderia continuar a falar:
- Eu imaginava como seria sofrido para todos nós se a chuva resolvesse transformar tudo num grande rio. As mãos ficariam enrugadas e todos teriam de usar roupas molhadas com cheiro de algas. Porém o mais difícil seria conseguir respirar com tanta água no nariz e na boca!
- Ora, mas...(ele mastigava) eu sei como... fazer isso...
- Então, por favor, me conte! - eu fiquei um bocado ansiosa para saber o segredo.
- Basta (disse depois de uma longa pausa, pois precisou engolir um pedaço do pedaço de pão)... basta você (e meteu novamente outro pedaço do pedaço de pão na boca)...hmm - o camundongo roía demoradamente.
Resolvi esperar em silêncio, quando ouvi a vovó me chamar. Corri para a porta do quartinho:
- Estou aqui! - gritei, descobrindo que não estava mais chovendo.
- Venha comer um pedaço de bolo - ela gritou da cozinha e sua voz parecia bem distante.
Dei meia-volta para perguntar se o camundongo também queria um pedaço de bolo, porém ele não estava mais ali, também não havia mais pedaço de pão e nem a meia.
Antes de atravessar a porta, ainda sussurrei:
- Cuidado com a gatinha lá de fora! - e fui embora.