Já dizia Fernando Pessoa: "A literatura é a maneira mais agradável de ignorar a vida", ele é um dos meus poetas favoritos desde muito nova, só quem me conhece há muito tempo sabe da influência da poesia em minha vida.
Sempre fiquei com a cabeça enterrada em livros, completamente distante de qualquer interação com pessoas do mundo real. Já gostei mais de personagens fictícios do que de seres humanos de verdade.
Devorava um livro atrás do outro, e acabei idealizando a maneira com que todos os meus relacionamentos deveriam ser, acumulando assim grandes frustrações, porque não entendia como as pessoas não poderiam ser iguais aos livros.
Por muitos anos, eu vivi em mundos distantes, enxergando essa nossa realidade como se não pertencesse à ela. Eu pensava que estivesse segura no mundo dos livros. Eu estava me esquecendo de viver de verdade. Ignorava a vida da maneira mais agradável.
O primeiro impacto em minha redoma blindada foi quando mostrei um conto fictício, cerca de 9 anos atrás, à uma conhecida. Criei um dos meus primeiros blogs e postava contos de terror. Ela leu, disse algo que não me lembro, mas a frase que me recordo foi: "eu prefiro ler contos e livros biográficos", eu perguntei o motivo, e ela disse que gostava de ler sobre a vida real, coisas que de fato ocorreram. Até então eu não entendia como alguém poderia deixar as histórias fictícias de lado. O nome dela é Jéssica, eu tinha catorze anos, e ela era a primeira riot girl que conheci, organizava um grupo de zines online e reuniões feministas, que infelizmente nunca compareci.
Por que alguém gostaria de ler histórias biográficas, se há tanta imaginação na literatura? E ela respondeu entrelinhas, a vida pode ser muito boa e muito cruel, e há milhões de histórias lá fora, milhões de vidas interessantes com pensamentos reais e dores reais.
Claro que histórias biográficas não estão em nível superior das histórias fictícias, porém até aquele momento, eu lia apenas livros com personagens que nunca possuiram carne e ossos.
Então comecei aos poucos a ler algumas autobiografias, e a me identificar com muitos autores, com seus sentimentos, medos e frustrações. A vida também está fora dos livros e ela pode ser muito interessante.
O segundo impacto foi quando li Pergunte ao Pó, do escritor beatnik John Fante, sua semi-autobiografia narrada por seu alter ego Arturo Bandini. A Bruna de dezesseis anos, entediada com a vida, escrevendo e lendo dia e noite, andando à esmo pelo Rio de Janeiro, se identificou prontamente com os acontecimentos narrados no livro. Eu havia saído da minha redoma de histórias fictícias, e interessada nas pessoas reais. E fiquei terrivelmente triste quando soube que Fante morreu 9 anos antes de eu nascer.
O terceiro e último impacto, até agora, foi ao ler Eu, Christiane F., Treze Anos, Drogada, Prostituída, de Kai Hermann, história real sobre uma menina alemã que aos 12 anos começa a beber, consumir drogas pesadas, e a se ver no fundo do poço, refletindo uma sociedade decadente e de relações familiares falidas. Em algumas passagens, ela me lembrou a Bruna de 12-13 anos, que teria ido para caminhos muito ruins, se não fossem vários acontecimentos que impediram. A biografia dela me emocionou muito e todos deveriam ler. E então me lembrei das palavras da Jéssica, e entendi mais uma vez como as histórias reais deixam o véu da realidade mais evidente.
Como manias antigas e enraizadas nunca de fato vão embora, após ler sobre a Christiane F., comecei a ler Drácula, de Bram Stoker, história mais fictícia impossível! A diferença é que hoje em dia já sei dividir o tempo entre histórias fictícias, histórias sobre pessoas que viveram, e a minha própria história, que precisa ser construída todos os dias, mesmo que a vontade de ignorá-la seja imensa.
- Algumas biografias e autobiografias que li e são minhas favoritas: Eu Sou Malala, de Malala Yousafzai; Só Garotos, de Patti Smith; A Arte de Pedir, de Amanda Palmer; Maus, de Art Spiegelman; Cat Diary, de Junji Ito; Persépolis, de Marjane Satrapi; Pergunte ao Pó, de John Fante.
- As reflexões desse post vieram depois de ler um texto da Marina Menezes ♥.
Conhece uma biografia ou autobiografia muito boa e quer me recomendar?
Que incrível 💜 Há algum tempo, minha mãe me disse que eu uso a leitura e a escrita como formas de escapar da realidade, e eu percebi que isso realmente é verdade. Me identifiquei bastante com a sua história e adicionei as suas biografias e autobiografias favoritas na minha wishlist literária.
ResponderExcluirAmei o seu Blog e, principalmente, a sua forma de escrever. Continue com esse trabalho incrível, você é muito talentosa.
http://tegabando.blogspot.com.br
Oi Bruna, vou te dizer... Eu sou bem como você no passado, sem conseguir ler histórias do mundo real... Mas sei lá... não que não curta fatos reais, mas é que já temos tanta coisa, tanta crueldade, que ler histórias fictícias são minha "rota de fuga"... Eu tenho aqui uma biografia de Cleópatra, que ganhei do meu namorado... Ainda não li, mas está prevista para esse ano ainda, prometo... rsrsrs
ResponderExcluirBjks!
Mundinho da Hanna
Que lindaaaaaa ♥♥ Me citou no post ♥♥
ResponderExcluirEu gostava muito dos livros fictícios, de fantasia. Aqueles que tem mundos imaginários e coisas assim. Ultimamente tenho me interessado muito por clássicos e por biografias, porque falam (também) da vida, mas de uma vida mais real, mais próxima da minha. Os livros acadêmicos, de teorias e coisas científicas ainda não me interessam muito (exceto aqueles de Psicologia que eu acabo lendo tanto porque preciso quanto porque me interessa).
Adorei seu post! Já levei alguns baques assim no meu interesse por ignorar a vida também hehehe
Quarto de Despejo, da Carolina Maria de Jesus!
ResponderExcluireu li bem poucas biografias, mas acho que não escolhi as melhores por que não gostei muito não, muita gente me recomendou esse livro da menina alemã e eu só vivo adiando a leitura, mas esta na lista, e eu super abraço essa frase de Fernando Pessoa, a mais verdadeira verdade sobre a leitura <3
ResponderExcluirBlog Entre Ver e Viver
O meu primeiro blog se chama ser irreverente. Nunca tive coragem de excluir. Altos textos rs
ResponderExcluirCada pessoa tem uma maneira de fugir da realidade e eu acho interessante que tu consigas enxergar isso em ti mesma e também o fato de que tu destes uma chance à vida real através das biografias. Continua acreditando no teu trabalho, que tu tens um grande potencial! =)
ResponderExcluirNão tive tempo para ler esse post com calma na época em que ele foi publicado. Mas fiquei imensamente feliz de ter lembrado, e em fim o lido. Também li Christiane F. recentemente, é vi como a vida, o mundo são lugares difíceis. Foi uma história que me marcou bastante. Fiquei interessada para ler Pergunte ao Pó, não conhecia e espero que tenha em alguma biblioteca por aqui.
ResponderExcluirLer é um dos maiores prazeres de viver. Não importa se são histórias reais ou fictícias. Ler é incrível, e nos ajuda a prestar mais atenção em nossa própria história.
Vou guardar esse texto no coração, pois ele me inspirou imensamente ❤︎
Adoro livros de memórias, cartas e biografias. Me sinto intima do autor, além de encontrar muitas vezes algo como: "olha, não estou só no mundo. Essa pessoa é assim e ela é/foi real."
ResponderExcluirAtualmente estou lendo a biografia do Belchior. Essa semana folheei o diário do Renato Russo, Só por hoje e para sempre. E estou lendo tb Cartas, de Caio F. <3 Indico os 3.
Quero muito ler algo da Smith e finalizar o livro da Palmer.
bjão
www.jeniffergeraldine.com