
Todas as manhãs vejo meu reflexo no espelho do banheiro e encaro um dos desenhos que tatuei em minha pele. Esse em especial é um coração de cinco centímetros, abaixo do meu seio esquerdo, de modo que quando toco nele, sinto meu coração de verdade batendo.
É um coração sério, o traço me lembra alguns detalhes das cartas do tarot de Marselha. Ele chora e possui duas lágrimas que estão gravadas para sempre em minha pele. O coração desenhado vai chorar para sempre em mim.
Eu gosto demasiadamente dele. Funciona como se fosse um escudo, pois é o único coração que as pessoas verão em mim. Eu construí barreiras suficientes para não deixar ninguém entrar em meu coração verdadeiro, e mesmo que consigam entrar, não saberão disso, vão sempre encarar o desenho que encara de modo sério e sem revelar nada.
Ele funciona como uma marca à ferro quente, lembrando-me do acordo que fiz à mim mesma: não entregar meu coração em uma bandeja.
Pintura: detalhe, Saint Augustine, por Philippe de Champaigne, 1650.