Eu me lembro de Ana quando acordo pela manhã, e frequentemente
vejo seu rosto encarando-me através de alguma janela, quando pego um táxi para
ir ao trabalho. Lembro-me de como a sua risada era bonita, e isso é
provavelmente a única coisa da qual eu consigo sonhar, mesmo depois de tantos
anos.
Ainda sinto o cheiro de sua pele bronzeada e de seus cabelos
curtos que batiam na altura de seu ombro. Recordo-me também do fato de que seu
nariz era um pouco maior do que os lábios. E sinto falta de seus pés – Ana amava
enterrá-los na areia da praia. Ela também amava música. Ah! Como ela dançava!
Dançava na chuva, no sol, dançava na grama, no meio da rua,
em meus pensamentos...
Ainda vejo o nome dela no visor de meu celular quando alguém
me liga, e ouço o barulho da televisão ligada quando chego em casa, como se ela
estivesse assistindo ao seu programa favorito. Sinto o joelho dela encostar-se
ao meu, antes de cair no sono. Em certas ocasiões eu penso que finalmente a
esqueci, no entanto sou traído por mim mesmo ao colocar o seu danone preferido
no carrinho do supermercado.
Quando acordo pela manhã, lembro-me de Ana e verifico se ela
não está no banheiro penteando os cabelos ou escovando os dentes, mas ela nunca
está lá. Os mortos não voltam.